sábado, 3 de setembro de 2011

"Tudo culpa daqueles filhos da..."

Poucos são os que não embrulham o estômago ao ler, na revista Piauí do mês de agosto, o texto-relato do jornalista Nilton Claudino, "Minha dor não sai no jornal". No seu relato publicado na revista, ele conta um pouco da sua trajetória profissional até o momento em que é sequestrado e torturado por uma milícia no Rio de Janeiro e como, a partir de então, sua vida se desajusta completamente.
Nilton ingressou no foto-jornalismo no final da década de 1970. Trabalhou em diversos veículos e ganhou um punhado de prêmios. Na década de 90 iniciou no jornalismo investigativo, incentivado pelo amigo Tim Lopes, que em 2002 foi  capturado e morto por traficantes enquanto trabalhava disfarçado investigando o tráfico de drogas. Felizmente Nilton Claudino não teve o destino macabro do companheiro de profissão. Companheiro que ele ajudou a achar, depois que recebeu uma informação de um anônimo indicando onde Tim estava enterrado. Chorando, fotografou o momento em que a polícia achou a ossada de seu amigo.
Em maio de 2008, trabalhando para o jornal O Dia, do RJ, foi morar no Jardim Batan, uma favela no Realengo, Zona Oeste, junto de uma outra repórter e um motorista do jornal. Disfarçados, obviamente. Buscando, com exito, se integrar na comunidade. O objetivo era investigar um grupo de milicianos que controlavam a comunidade. Em 2007, este grupo expulsou os traficantes e passou a cobrar "taxa de segurança" dos moradores além de lucrarem com venda de gás, tevê a cabo pirata e transporte de vans.
Nilton e seus colegas foram descobertos depois de 14 dias, foram capturados por volta das 21h30 de uma quarta-feira, 14 de maio, e passaram a noite sendo torturados e "julgados". Por sorte, o comando da milícia decidiu que permaneceriam vivos. 
O que lemos no texto de Claudino é muito parecido com o que assistimos há alguns meses no cinema, no filme Tropa de Elite 2. E é chocante, porque o texto é real, sem nenhuma dose de ficção. Um dos trechos mais preocupantes do texto, escrito na primeira pessoa, começa com um dos milicianos se dirigindo ao jornalista:
"'Então parece que o problema é com a família', respondeu 01. 'Você vai morrer e precisa saber que foi alcaguetado por amigos de dentro do jornal. Vou provar: você tem na sua baia de trabalho as fotos de um de seus filhos tocando guitarra. Seus filhos são lindos. Você mora na zona sul'., disse, completando em seguida com meu endereço exato.
Gelei, e ele continuou: 'Vocês são uns bundões. Foram alcaguetados por seus amigos. Temos informantes em tudo o que é jornal e televisão'."
Outro trecho diz o seguinte:
"A repórter reconheceu a voz de um vereador, filho de um deputado estadual. E ele a reconheceu. Recomeçou a porradaria. Esse político me batia muito Perguntava o que eu tinha ido fazer na Zona Oeste. Questionava se eu não amava meus filhos."
Nilton não vive mais no Rio de Janeiro, nem vê mais seus filhos e sua esposa, nunca mais viu seus amigos, sequer seus ex-colegas. Se afastou de tudo e de todos, e também do que já fora uma dia. Diz ser impossível viver ao lado das pessoas de que gosta sabendo o risco que correm por sua culpa. Sua culpa? Encerra dizendo que: "A tortura continua. Tudo culpa daqueles filhos da puta." 
Histórias como essa não pautam a grande mídia. Não vi nada no JN, no Fantástico, na Folha. Perdoem-me se estiver errado, mas não vi. Em compensação, a cada semana, uma alegoria jornalística que ilustra a capa da Revista Veja, é motivo de repercussão desproporcional. Que piada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário