quinta-feira, 24 de julho de 2014

Líder do Bom Senso F.C. concede entrevista ao DCM

Reprodução Facebook
No último sábado, 19, o Diário do Centro do Mundo publicou uma interessante entrevista com o zagueiro Paulo André, ex-jogador do Corinthians, líder do movimento Bom Senso F.C. O jogador atualmente joga no futebol chinês, na equipe Shanghaï Shenhua. Ao DCM, Paulo André falou sobre as reivindicações do movimento, que busca conquistar melhorias significativas para o esporte no Brasil. Na sequência, reproduzo na íntegra a conversa do jogador com o jornalista Pedro Zambarda de Araújo.

DCM: O que você achou do desempenho da seleção na Copa do Mundo?


PA: Não acho que a seleção fracassou tanto. As pessoas perderam a razão e se deixam levar pela emoção e pelo placar de 7 a 1. Minha visão não mudou por causa da Copa e nem minha críticas. O Brasil, fazendo tudo errado, chegou à semifinal. Algumas informações: 70% dos atletas profissionais ficam desempregados seis meses por ano, clubes grandes acumulam dívidas, dirigentes nunca são punidos, clubes pequenos estão jogados às traças, jogadores entram na justiça do trabalho e podem esperar por até 10 anos pra receber os atrasados, a formação e a capacitação de profissionais é empírica e insuficiente e a média de público nos estádios tem a décima oitava posição no ranking mundial, atrás até de Estados Unidos e Austrália. Se não estamos no fundo do poço, estamos bem próximos dele. E a solução dada pelos dirigentes do futebol brasileiro é trocar a comissão técnica, o coordenador, o médico e o assessor de imprensa da seleção. Tem que ter muita cara de pau, não? Imagine se trilharmos o caminho correto? Seremos imbatíveis.

DCM: Os jogadores têm alguma culpa no estado das coisas no futebol?


PA: Todos nós temos culpa. Os jogadores de futebol refletem a própria sociedade brasileira. Estudaram nas mesmas escolas públicas, tiveram as mesmas poucas oportunidades, não sabem ou não conseguem se posicionar politicamente, têm medo de retaliação e acabam por virar massa de manobra. O mesmo ocorre com o povo.

DCM: Quais são as propostas do Bom Senso F.C. para mudar a gestão da CBF, que tem dirigentes há 40 anos no poder?

PA: O primeiro passo é propor a reforma política. É preciso oxigenar a estrutura de poder. Quem está no poder há décadas já provou que não tem capacidade de conduzir o futebol brasileiro com a excelência que o cargo exige. A CBF, numa tática de guerra conhecida como “teoria da intimidação”, controla seus 47 membros, sendo 20 clubes da série A e 27 federações estaduais. Esse jogo político emperra as medidas técnicas necessárias para o desenvolvimento do esporte no país. É preciso democratizar a CBF já.

DCM: Democratizar a CBF?


PA: A CBF se ampara no artigo 217 da Constituição, inciso I que define que as entidades que administram o esporte no país tem autonomia financeira e estatutária. Esse artigo não permite nenhum tipo de intervenção ou regulação do governo. Ao mesmo tempo, a CBF se utiliza de um bem público que é a seleção brasileira e arrecada mais de R$ 400 milhões por ano. A oportunidade do Congresso Nacional e da presidente está na necessidade de que os grandes clubes de futebol, quebrados, têm pela aprovação da LRFE (Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte). O projeto propõe, entre outras coisas, o parcelamento da divida fiscal dos clubes, mas oculta a isenção da responsabilidade civil e penal dos dirigentes que cometeram irregularidades no período. Exigir dos clubes, em troca pelo parcelamento da dívida fiscal, a democratização da CBF, sem se excluir, é claro, a responsabilidade civil e penal, que venha a ser apurada, dos dirigentes seria um golaço. É para isso que o Bom Senso F.C. está trabalhando atualmente.

DCM: Dilma pode colaborar com essa mudança?

PA: Dilma tem uma única oportunidade de devolver a CBF, e todas as entidades que regem o esporte no país, ao povo brasileiro. Não devemos aprovar a LRFE do jeito que está. O projeto é frágil ao tentar garantir que os clubes estejam realmente em dia com suas obrigações fiscais e, principalmente, trabalhistas. Essa debilidade justifica o desespero dos dirigentes e a pressão da “bancada da bola” para sua rápida aprovação. Uma vez garantido o parcelamento, clubes e CBF voltarão a se blindar e não mais discutirão as mudanças estruturais do esporte. É preciso aproveitar a oportunidade e exigir dos clubes, em contrapartida pelo parcelamento da dívida, a regulação e a democratização do estatuto da CBF, limitando o mandato dos dirigentes a quatro anos com apenas uma recondução, dando voz e direito de voto aos atletas, treinadores, árbitros e todos os demais clubes filiados à entidade. O Congresso Nacional e a Dilma têm amplas condições de democratizar a autoritária e arcaica estrutura do esporte brasileiro.

DCM: Que papel deve ter o estado ou o governo na gestão do futebol brasileiro?

PA: Intervir para democratizar as estruturas de poder, regulando as entidades que administram a CBF, como os Teixeiras, Marins e Del Neros. Governo deve coubir a criação de novos impérios maléficos para o desenvolvimento do esporte brasileiro.

DCM: E o que você acha da corrupção no nível internacional, em entidades como a Fifa?

PA: É preciso lutar contra isso. Mas teremos muito trabalho com a CBF e com a Comembol antes de chegarmos a FIFA (risos).

DCM: O que você achou das Jornadas de Junho e dos protestos anti-Copa?

PA: Achei incrível e participei. E espero que voltem com mais frequência. O país precisa disso. Boa parte dos nossos políticos se esquecem de seu papel e de quem eles deveriam representar de fato. Uma reforma política se faz necessária para melhorar o modelo de representatividade. Apenas 8% dos nossos deputados foram escolhidos de forma direta. Isso é algo que não entra na minha cabeça.

DCM: A reforma que vocês propõem no Bom Senso F.C. inclui a Globo?


PA: Se não temos direito nem de votar e opinar dentro da CBF, imagine dentro da Globo. A Globo é uma empresa que visa o lucro. Ela controla os clubes por causa dos empréstimos e adiantamentos do contrato dos direitos de transmissão. Ela sabe jogar o jogo e está no direito dela de buscar o lucro. E a CBF, que deveria zelar e proteger o nosso futebol, é conivente. Para não ficarem expostos, fingem que o problema não é com eles. Para que os clubes fiquem menos dependentes da emissora, é preciso fechar a torneira, parar de gastar de forma insana, colocar as contas em dia e depois negociar o próximo contrato de TV em melhores condições, abrindo a concorrência. Por isso o Bom Senso luta por um Jogo Limpo Financeiro dentro do futebol, não esse de mentirinha que querem aprovar no Congresso. Sou um sonhador, não me julgue por isso.

DCM: Quais são os bons exemplos internacionais de boa administração do futebol?


Existe na Alemanha, na Inglaterra e na própria França. As Confederações cuidam da Seleção e se preocupam com o futebol nacional, fomentando seu desenvolvimento em todas as dimensões: educação, formação e alto rendimento. Além de investir na responsabilidade social da prática esportiva, como lazer e saúde. Elas são responsáveis por capacitar treinadores, gestores, criar licenças e cursos para profissionalizar cada um dos segmentos citados acima e regulamentar todas as questões que envolvem o esporte no país. Enquanto isso, a Liga, a associação dos clubes, comanda o futebol profissional e seus campeonatos, visando o espetáculo e o lucro. Não é tão difícil de copiar, não é?

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