sábado, 23 de março de 2013

“Em uma empresa de comunicação, questionar não é permitido”

20 de março, por Cris Rodrigues no SOMOS ANDANDO

Tive hoje a oportunidade de ler uma carta escrita, como disse um amigo, com o fígado, não com as mãos. Trata-se de um agora ex-funcionário do Diário Catarinense, jornal do Grupo RBS em Santa Catarina, que colocou no papel toda a frustração por ter que sair de um emprego de muito tempo por absoluta falta de condições de trabalho. Sua demissão, como ele conta na carta, foi acertada com o jornal, depois de 25 anos de RBS. Ali ele fala em “prepotência”, em “opressão”, em “tirania” por parte da administração atual. Pra quem critica a RBS desde a adolescência pela má qualidade do jornalismo praticado, é um agravante e tanto um cara que estava ali dentro há duas décadas e meia, que parecia realmente gostar da empresa, não aguentar mais. E na carta ele ainda cita mais 17 outros nomes que teriam saído pelos mesmos motivos, além de outros que continuam no grupo insatisfeitos.

Quando eu vejo uma carta assim, fico com emoções divididas. Por um lado, acho ótimo que as coisas estejam aparecendo e que as pessoas percam o medo de se manifestar contra esse tipo de situação. Por outro, a cada coisa dessas, fico triste por constatar, de novo, a situação do jornalismo no Brasil. Fico triste de ver que o grupo que detém o monopólio da comunicação no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina consegue ser cada dia pior e ainda assim manter esse monopólio.

Mas não deixa de ser engraçada a contradição desse pessoal. Vale atentar para uma passagem da carta do ex-funcionário do Grupo RBS, já lá no final:

Em uma empresa de comunicação, questionar, alimento do jornalismo, não é permitido.

Em uma empresa de comunicação que tem a educação como bandeira, que implica justamente pensar de forma autônoma, pensar não é permitido.

Em uma empresa de comunicação que exalta a democracia, vende a diversidade de opiniões, a participação dos leitores como case de ação, de sucesso, divergir não é permitido.

Vende a diversidade de opiniões… Pois é, uma empresa que treme ao ouvir falar em Conselhos de Comunicação, que brada contra marco regulatório, que acusa qualquer tipo de regulamentação de censura. Regulamentação, vale dizer, que o Reino Unido – que se enquadra naquele grupo de países que sempre são exemplo de civilização para a mídia brasileira – está fazendo neste momento. Regulamentação – se quiserem, eu desenho – serve pra colocar em prática o que diz a Constituição e garantir a pluralidade da comunicação no Brasil, coisa que não acontece quando bem poucos grupos dominam todo o mercado, impondo apenas uma visão a toda a sociedade. Duzentos milhões de pessoas são obrigadas a ler, ouvir e ver o que pensa uma única família, por pura falta de opção.

E aí a ironia vem, quando aparece uma carta dessas. A ironia de uma empresa que diz prezar pela liberdade de expressão – e pega em foice pra defendê-la – e cerceia seus próprios funcionários.

O jornalismo do Brasil é triste.


A publicação da carta – de alforria – foi permitida pelo autor. Segue a íntegra:


ACABOU!!! Hoje, depois de mais de 25 anos de RBS, fui demitido da empresa. Se, por um lado, é um momento de alegria, de júbilo, por ter sido aceito opedido que fiz para ser mandado embora (mesmo que por conveniência de que o fez, como a justificar a ação), por outro, é de profundo pesar pela situação que me levou a formular tão drástica solicitação – é muito grave e difícil não se ver outra saída que não a de abrir mão do trabalho do qual se gosta e ao qual se dedicou a maior parte da vida.

E é esta mesma postura crítica que me levou à situação extrema de pedir para ser desligado e que marcou minha atuação profissional nesses anos todos que me leva a fazer algumas considerações sobre o ambiente insalubre que tomou conta da redação do Diário Catarinense – mais do que em qualquer época em um quarto de século – nos últimos meses.
Inúmeras gestões se sucederam à frente do DC (redação). A cada editor-chefe – agora diretor – que assumiu seguiram-se momentos de tensão e, às vezes, ruptura, naturais no início de um novo trabalho, de um modo diferente de ver e conduzir as coisas. Até aí, tudo aceitável e dentro do esperado. Mas como o ser humano é imperfeito e o apelo para satisfazer o ego é imenso, muitos que detêm o poder ultrapassam, algumas vezes, o limite e agem com prepotência, idiotia – os sem-poder, como eu, também não estão livres. Tudo dentro da normalidade, desde que seja exceção. Mas quando vira regra, como agora, é abuso.
Aí está a grande diferença desta para administrações pretéritas: a prepotência tornou-se sistêmica, a opressão é o modus operandi. E se em situações um pouco mais estressantes vividas anteriormente se chegou a cogitar solução como a de agora – sair ou ser “saído” da empresa –, o trabalho (não o cargo) sempre garantiu a permanência, sempre foi um refúgio. Agora, no entanto, esta tábua de salvação não mais existe, pois a tirania, a opressão, age justamente aí: não deixa espaço para ninguém, para nenhuma ação e forma de pensamento que não a do tirano. Sem ter o que fazer, a não ser dizer amém, por que continuar? Como continuar?
Se alguém, como bom jornalista, contra-argumentar, levantando a hipótese de que talvez eu tenha uma visão equivocada, seja algo pessoal ou, quem sabe, que o modo de agir que eu esteja condenando seja o meu próprio, lembro que não estou só, que a lista dos que capitularam (foram demitidos, foram compelidos a pedir demissão e aceitaram qualquer emprego fora para se livrar ou mesmo resolveram ir para outro veículo dentro da RBS) fala por si – fala, não, grita. Aí vai uma parte do “obituário”: Guarany Pacheco, Eduardo Kormives, Roberto Azevedo, Márcia Feijó, Renê Müller, Mariju de Lima, Simone Kafruni, Tarcísio Poglia, Marcelo Oliveira, Gisiela Klein, Marcelo Becker, Ângela Muniz, Natália Viana, Larissa Guerra, Valéria Rivoire, Fernando Ferrary, Celso Bevilacqua – sem esquecer da Ceoli e da Jussara, da secretaria de redação, substituídas por um time de futsal de terceira divisão. Não lembro de todos os nomes, não citei os que foram para outros cantos da RBS e nem, é claro, os muitos outros que seguem no baile por absoluta falta de opção.
Em resumo:
Em uma empresa de comunicação, questionar, alimento do jornalismo, não é permitido.
Em uma empresa de comunicação que tem a educação como bandeira, que implica justamente pensar de forma autônoma, pensar não é permitido.
Em uma empresa de comunicação que exalta a democracia, vende a diversidade de opiniões, a participação dos leitores como case de ação, de sucesso, divergir não é permitido.

Por fim, entendo que atualmente, na redação do DC, somente há lugar para a frustração ou para quem se dispõe, por afinidade, disposição ou interesse, a ser um “clone” do chefe da vez. Portanto, não há lugar para jornalistas no que verdadeiramente esta palavra, esta profissão significa – talvez haja lugar para marqueteiros, especialização da casa nos tempos mais recentes.
Lamento muito que o modo de pensar e agir de um só se sobreponha ao de tantos outros por força única e exclusivamente de um cargo ao qual, ao que parece, foi guindado erroneamente, sem de fato ser merecedor, o que não é tão incomum assim no meio jornalístico e dentro da RBS.

Chega!!!

Um comentário:

  1. Isso não tem nada a ver com jornalismo. O mercado de trabalho inteiro é assim hoje em dia. Desde que se inventou a tal da gestão, das consultorias e coisas do gênero. Todo mundo está cego para isso. Todo mundo está conformado. Acreditando que essa é a melhor forma de trabalhar. Todas as empresas querem criatividade e a repudiam quando ela aparece. Qualquer coisa que realmente seja "fora da caixa" é dispensada. Eu já me dei conta disso faz tempo. Ainda bem que o amigo aí também. E que fique registrado: não é privilégio do jornalismo.

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