sábado, 31 de março de 2012

Bancada religiosa do Acre censura curta metragem

A notícia é velha, de junho de 2011, e o curta metragem em questão é do ano anterior, foi lançado em 2010. Eu não quero voltar sozinho estava dentro do programa Cine Educação, que disponibiliza filmes para escola públicas passarem em sala de aula e debaterem com os alunos. A trama concilia dois tabus, e se passa numa escola, com jovens do ensino médio: a diversidade sexual e deficiência visual.

O filme do diretor e roteirista Daniel Ribeiro é impecável, delicado e sutil. Eu não quero voltar sozinho é muito bem executado em todos os sentidos, e não é por outro motivo que o curta passou vitorioso por diversos festivas.

No Acre, o filme foi passado para uma turma de alunos, no ano passado. Alguns jovens pensaram se tratar do tal kit-homofobia e procuraram os líderes religiosos do local, que por sua vez foram até os políticos protestar. Acabou que o filme foi retirado do programa e o Cine Educação foi vetado no Acre.

Fora a notícia velha, e a velha mania do poder religioso se intrometer nas diversas instâncias do Estado laico, na internet o belo Eu não quero voltar sozinho continua cumprindo seu papel como arte e como quebra de paradigmas.


06/2011 - Carta aberta dos realizadores de Eu não quero voltar sozinho
Queridos amigos e colegas,

No início da semana recebemos a notícia de que a exibição do curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, como parte do programa Cine Educação, havia sido censurada no Acre.

O programa Cine Educação, uma parceria com a Mostra Latino-Americana de Cinema e Direitos Humanos, tem como objetivo "a formação do cidadão a partir da utilização do cinema no processo pedagógico interdisciplinar" e disponibiliza diversos filmes cujos temas englobem os direitos humanos, de modo que professores escolham quais são mais adequados para serem trabalhados em aula.

Na semana passada, no estado do Acre, uma professora escolheu o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho e exibiu-o para seus alunos. Para aqueles que não conhecem, a trama narra a história de Leonardo, um adolescente cego que, ao longo do filme, vai se descobrindo apaixonado por um novo colega de sala.

Alunos presentes na exibição confundiram o curta metragem com o "kit anti-homofobia" e levaram a questão aos líderes religiosos, que mobilizaram políticos da região com o intuíto de proibir o projeto Cine Educação como um todo. Nenhum desses representantes públicos deu-se ao trabalho de ir atrás da verdade e descobrir que se tratava de um programa pedagógico com o intuito de levar o debate sobre direitos humanos para a sala de aula. Mais uma vez no Brasil, a educação perde a batalha contra o poder assustador das bancadas religiosas e conservadoras.

Neste momento, o programa Cine Educação está paralisado. Enquanto isso, os secretários de Educação e de Direitos Humanos do Acre estão articulando com o governador a possibilidade de garantir sua continuidade, enquanto os líderes evangélicos forçam o cancelamento definitivo do programa. Pelo que sabemos, mesmo que o programa seja reativado, o curta Eu Não Quero Voltar Sozinho será excluído do catálogo e não mais ficará disponível para que professores o utilizem no debate de questões que envolvem algo tão elementar quanto a sexualidade humana e tão importante quanto a deficiência visual. 

De forma arbitrária, em uma república federativa cuja Constituição atesta um Estado laico, a sociedade está sendo privada de promover debates. Como pretendemos que adolescentes consigam respeitar a diversidade e formem-se cidadãos lúcidos, pensantes e ativos se informação, arte e cultura (sem qualquer caráter doutrinário) lhes são negadas?

Eu Não Quero Voltar Sozinho não é um filme proselitista, tampouco ergue bandeiras de nenhuma natureza. É apenas uma obra de ficção amplamente premiada em festivais de cinema no Brasil e no exterior, cujos predicados artísticos e humanos transcendem qualquer crença. Ademais, se assuntos referentes à orientação sexual dos indivíduos e seus respectivos direitos civis estão na pauta do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, por que não debatê-los em sala de aula? Que combate sombrio é esse, que reacende a memória de um obscurantismo Inquisidor?

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