sábado, 13 de agosto de 2011

Relato direto de Londres

Cris Rodrigues é jornalista, de Porto Alegre, mantém o blog Somos Andando e passa por uma temporada em Londres, na Inglaterra. O texto a seguir foi publicado dia 12 de agosto no seu blog.

A vida em Londres volta ao normal - ou quase
Cris Rodrigues, adaptado do texto publicado no Jornal Sul21
As já muito frequentes e barulhentas sirenes de Londres parecem ter se multiplicado no começo da semana. A elas, somaram-se o barulho de helicópteros sobrevoando a cidade e 16 mil policiais perambulando pelas ruas. No quarto dia da onda de manifestações que varreu a capital britânica, muitas lojas fecharam as portas no meio da tarde. Em Kentish Town Road, uma avenida relativamente distante de qualquer distúrbio, uma pequena tabacaria familiar era um dos poucos estabelecimentos abertos às 20h de terça-feira (9). Dentro, duas mulheres estavam tranquilas e sem medo, mesmo vendo a filial de uma grande rede de supermercados do outro lado da rua de portas fechadas desde as 15h, sob o anúncio de que funciona até as 23h todos os dias da semana.
Era dia claro ainda, mas as ruas estavam quase vazias, longe do normal para uma cidade em que circula tanta gente o tempo todo. Terça-feira foi o dia em que mais sentia o medo no ar, sensação que acabou alterando a rotina de muita gente. Mas naquela noite não houve registro significativo de incêndio, depredação ou roubo, como os ingleses tinham visto nos dias anteriores. Ninguém entendia muito bem o que estava acontecendo ou, principalmente, por quê.
Sharon e Gurmit Johal, donas da tabacaria há 15 anos, não estavam assustadas, mas muita gente se recolheu cedo ou nem foi trabalhar, com medo de que algum protesto violento pudesse acontecer no meio do caminho. Andar nas ruas era estranho, pelo vazio de pessoas e pelo som de helicópteros sobrevoando a cidade, que remetiam a um clima de pré-guerra civil, como se algo muito grave estivesse a ponto de acontecer.
Mas não foi e não é uma guerra civil o que Londres viveu nos últimos dias. Além do estrago no local das manifestações, que em alguns casos deixaram um prejuízo enorme e, em outros, apenas quebraram umas poucas vitrines, houve alguns problemas com transporte, como ônibus que mudaram de rota ou estações de metrô fechadas, que foram rapidamente solucionados. Mas as vidas da imensa maioria dos londrinos não foi alterada mais do que algumas horas, e a maioria já não sentia medo ao andar nas ruas no dia seguinte.

Violência é reflexo de uma sociedade doente e desigual
Tudo começou com o suposto assassinato de um homem negro, popular em sua comunidade, por agentes da polícia britânica, na noite da quinta-feira passada (4). Dois dias depois, foi feito um protesto pacífico nas ruas do bairro de Tottenham, no norte de Londres, que registra altos índices de desemprego, maiores do que a média já elevada da capital. Mas o protesto acabou em incêndio de prédios, carros e ônibus. Ainda mal explicada, a morte de Mark Duggan foi a gota d’água para que a insatisfação popular tomasse as ruas em uma onda de protestos sem precedentes na história recente da Inglaterra. Ao mesmo tempo, tornou-se um subterfúgio, uma desculpa para saques, incêndio e depredação de bens materiais em diversos bairros da capital e em cidades do interior da Inglaterra.
Em lugares de perfis muito diferentes, alguns pontos havia em comum. Principalmente o fato de a grande maioria dos participantes ser muito jovem. Em Chalk Farm, por exemplo, perto do bairro de Camden Town, que ficou conhecido no mundo inteiro no mês passado por ser onde a cantora Amy Winehouse morava, o grupo não era grande e girava entre 16 e 25 anos, segundo o policial Gary Cooper, que na terça cuidava da rua que teve a vitrine de quatro lojas quebradas na noite anterior.
Ele era um dos 16 mil policiais que vigiavam as ruas de Londres acionados pelo primeiro-ministro inglês para conter a violência. O conservador David Cameron parece ser o principal interessado em não discutir as causas e em não buscar interpretar o que estes jovens estão querendo dizer. Ele repetiu ontem (qunta-feira, 11) a afirmação que havia feito no início da semana de que se trata apenas de “criminalidade, pura e simples”, quando o momento já não era mais de reagir rapidamente, mas de analisar as causas e procurar a melhor forma de encarar o problema. No mesmo pronunciamento, disse ainda que os envolvidos são muito jovens, e, portanto, não se trata de protesto político, mas de roubo. E jogou a responsabilidade para os pais, por não saberem onde e com quem seus filhos estavam. No único momento em procurou alguma explicação social, Cameron tratou de descartar qualquer relação com desigualdade: “As crianças crescem sem saber a diferença entre certo e errado. Não tem a ver com pobreza, mas com cultura. A cultura de glorificar a violência, desrespeitar autoridades e saber tudo sobre direitos e nada sobre responsabilidades”. Isso no momento em que a Inglaterra vive a pior crise econômica dos últimos 50 anos, segundo o prefeito de Londres, Boris Johnson, do mesmo partido de David Cameron.
Ainda que sejam mesmo crianças e adolescentes desorientados buscando apenas vandalismo, mesmo que não entoem palavras de ordem bonitas e não bradem por liberdade, igualdade e fraternidade, estes “rioters” são um reflexo de um problema social.

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