Obras da Copa tiram 4,5 mil famílias de casa em Porto Alegre
As pessoas não reclamam da mudança, mas da falta de informação: muitas delas não têm ideia do lugar onde vão morar
As mudanças não acontecem sem problemas. No loteamento para onde estão sendo levados os moradores da área do aeroporto, a reportagem do iG constatou casos de famílias que estão enfrentando dificuldades para pagar a parcela da casa, em torno de 6% da renda mensal familiar, além das contas de água e luz, que não existiam quando elas viviam em terrenos irregulares.
Em outra área da cidade, na região próxima ao estádio Beira-Rio, a preocupação é quanto ao futuro endereço. Nos últimos dias, cerca de 500 moradores dos bairros Cristal, Cruzeiro e Divisa, que serão afetados pela duplicação de uma avenida, têm protestado para cobrar informações da prefeitura. Eles cobram a apresentação do projeto de reassentamento para a área e pedem que a maioria das famílias fique na mesma região.
“Até agora, não nos apresentaram projeto, não saiu cadastro. Estão nos empurrando com a barriga desde novembro”, reclama Renato Maia, presidente da associação de moradores das vilas Cristal e Divisa, na região sul de Porto Alegre. Ali, pelo menos 1,8 mil famílias devem ser removidas para a duplicação da avenida Moab Caldas, que será acesso para o Beira-Rio. Outra remoção deve ocorrer em uma área próxima ao estádio, que será modernizado e terá hotel e estacionamentos no seu entorno. Cerca de 70 famílias devem ser retiradas do local. “Não queremos ir para longe. Têm pessoas que moram há mais de 50 anos aqui e vão ser removidas”, afirma Maia.
Já a ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho deve deslocar 2.609 famílias das vilas Dique e Nazaré. Já foram transferidas 434 famílias para um loteamento em construção no bairro Rubem Berta, zona norte da cidade.
Porém, nem todas as pessoas reclamam das mudanças. Há pouco tempo, o casal Fernando e Maria Lúcia Rosa trocou a casa de madeira nos fundos do aeroporto Salgado Filho por um sobrado de alvenaria no extremo norte da cidade. Com dois quartos, sala e cozinha, a nova residência deixa poucas saudades da antiga casa em um terreno irregular na Vila Dique, que deu espaço às obras de expansão do aeroporto. “A única coisa que não queríamos nem olhar foi a demolição da nossa casa”, lembra o marceneiro Fernando.
Para onde ir?
O cientista político Sérgio Baierle, integrante da ONG Cidade, que estuda os problemas habitacionais de Porto Alegre, critica o destino das famílias que serão removidas. A maioria das áreas de interesse social mapeadas pela prefeitura se encontra nos extremos sul e norte da cidade, regiões com infraestrutura insuficiente e com grande concentração populacional.
“A nossa preocupação é o modelo de planejamento que não integra a população na cidade. Está se criando uma cidade cada vez mais divida”, destaca o cientista político. Ele defende que os reassentamentos sejam feitos em áreas próximas dos locais onde viviam as famílias, que poderiam manter suas atividades. “Um dos problemas do Rio foi concentrar uma população muito pobre em áreas sem urbanização, gerando mais conflito social. Defendemos que elas não sejam reagrupadas em um único lugar, que eles possam ser integradas com toda a cidade”, afirma.
Jorge Dusso, diretor do Departamento de Habitação de Porto Alegre, justifica os reassentamentos em áreas afastadas da cidade devido ao alto custo dos imóveis nas regiões mais centrais. “Procuramos alocar as famílias sempre o mais próximo possível dos locais onde moram e desenvolvem suas atividades profissionais. Mas sempre trabalhamos na linha do possível”, justifica. Dusso afirma que os loteamentos que estão sendo construídos possuem infraestrutura adequada e alguns contam com unidades de triagem de material reciclável, ganha-pão de boa parte dos moradores. Oficinas de capacitação são pferecidas para que a população possa buscar alternativas de emprego.
A prefeitura realiza outras obras indiretamente ligadas à Copa do Mundo. O prolongamento da avenida Voluntários da Pátria, próximo à futura Arena do Grêmio, deve provocar cerca de 800 desapropriações. Já as obras de saneamento do Projeto Integrado Socioambiental devem retirar 1.746 imóveis às margens do Arroio Cavalhada, na zona sul da cidade. A ampliação da pista do Salgado Filho deve retirar ainda cerca de 170 imóveis regulares no bairro Jardim Floresta.
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