Diferentes entre si, Torcidas Organizadas de Grêmio e Internacional superam dificuldades e mantêm viva uma forma particular de encarar o futebol
Por Alexandre Haubrich e Douglas Skrotzky (Reportagem publicada parcialmente na revista Trivela, em 2007. Aqui, na íntegra)
É 31 de julho de 2006. Domingo de sol em Porto Alegre. Final de tarde. Enquanto uma multidão começa a deixar aos poucos o Parque da Redenção, outra multidão se encaminha para o Estádio Beira-Rio, onde, às 18h10min, começa o 366° clássico Grenal da história. Pouco antes disso, cerca de 5 mil gremistas chegam ao local da partida escoltados pela cavalaria da Brigada Militar e sob intensa chuva de garrafas e pedras, algumas das quais atiradas de volta. Nada que não fosse esperado em um Grenal. Pouco antes das 18h, já dentro do estádio, torcedores do Grêmio derrubam a cerca que os separa da social do Internacional. Alguns socos e a Brigada chega, resolve, e sai. Normal. 19h. Um banheiro químico é carregado e arremessado por torcedores visitantes para fora da arquibancada. E mais um. E mais outro. E nada de a Brigada agir. Quando a polícia chega, já há banheiros em chamas e a fumaça negra espalha-se pelo Beira-Rio, criando um ambiente de guerra civil e tornando o ar irrespirável em um local destinado à prática de esportes. O jogo pára. Do outro lado do campo, integrantes da Guarda Popular, mais nova torcida do Inter, e da Camisa 12, mais antiga Torcida Organizada do sul do país, olham atordoados. Alguns ainda tentam correr em direção ao tumulto, mas não conseguem chegar até lá. A Nação Independente Comando Vermelho, que está junto da grade que separa as torcidas, só que do outro lado, nas arquibancadas, chega a ameaçar invadir o espaço da torcida visitante, mas ali há policiamento. A tensão toma conta de cada um dos presentes. Por sorte – e por pouco –, nada mais sério acontece.
No dia seguinte, o presidente em exercício do Grêmio, Túlio Macedo, divulga nota na qual suspende por tempo indeterminado os privilégios concedidos às três Torcidas Organizadas do clube – Torcida Jovem, Garra Tricolor e Super Raça. As sedes no Estádio Olímpico são lacradas, soldadas. Nada mais de ingressos subsidiados ou ajuda nas viagens. Nada de instrumentos de música no Olímpico. Nem com os uniformes identificando as Torcidas se pode mais entrar. Geral do Grêmio e Máfia Tricolor, independentes em relação ao clube, não sofrem nenhuma punição. A Geral, inclusive, assume definitivamente o status de principal torcida do tricolor gaúcho.
O promotor de eventos André, o Folha, presidente da Torcida Jovem do Grêmio, defende-se: “A participação da Jovem no episódio dos banheiros foi nenhuma. Muita gente da Geral, já na entrada do estádio, estava com essa idéia, querendo bagunçar, fazer confusão. Por isso mesmo a gente já se posicionou longe deles. Eles estavam bem pro lado da social, e a gente foi bem pro lado das arquibancadas. Quando começou o tumulto, eu e o pessoal da diretoria afastamos os caras da Jovem”. Thiago Fernandes, o Telo, estuda administração e é relações públicas da Garra Tricolor. Ele também nega envolvimento no tumulto: “Eu mesmo estava perto e disse para ninguém da Garra ir. Tinha muito filho de diretor, de conselheiro no meio, então resolveram nos pegar como bodes expiatórios. Na reunião, depois, um diretor do Grêmio disse: ‘Se eu não punir vocês, vou punir quem?’ Mas eles pegaram as imagens da TV e não tinha ninguém com camisa das Organizadas”. Parece ser consenso que os responsáveis pelo ocorrido foram os integrantes da Máfia Tricolor e da Geral do Grêmio. Moreno Silva, estudante de Jornalismo da Unisinos e um dos líderes da Máfia, admite: “O que aconteceu com os banheiros no Beira-Rio foi a Máfia e a Geral que fizeram. Não tinha ninguém das Organizadas. Os caras das Organizadas tavam lá quietos, em uns 20 cada, até pedindo pra ninguém deles ir. Foi uma desculpa pra fechar, porque não tava dando retorno pro clube”. Finalmente, o diretor financeiro do clube, Mauro Rosito, resolve a questão definitivamente: “O evento dos banheiros foi debitado de forma genérica às Torcidas Organizadas. Se foram eles ou não, a gente não sabe. Não foram identificados, mas tínhamos que mostrar atitude ao setor público”, reconhece o dirigente.
Independentes e violentos, com orgulho
Quando chegamos à estação central do trem em Canoas, na grande Porto Alegre, somos recebidos por um rapaz que veste uma jaqueta na qual podemos ler “Máfia Tricolor”. Um boneco em posição de luta, o mascote Notredame, estampa o casaco. Seguimos o rapaz até a frente de uma casa abandonada, com as paredes desenhadas e rabiscadas com símbolos e assinaturas, local de reuniões diárias. Sentado em um degrau e cercado por uns dez jovens e três garotas, está Moreno Silva, principal líder da torcida mais violenta do Grêmio.
A Máfia Tricolor foi fundada no final de 1995 com 250 membros, juntando os “maus elementos de todas as outras torcidas”, segundo o próprio Moreno. Um ano depois, em um jogo no Olímpico contra o Atlético Paranaense, torcedores visitantes foram esfaqueados. A Máfia mostrava a que veio. Nos meses seguintes, assaltos à sede da Torcida Jovem e à loja do Grêmio, e o banimento. Nenhum material que levasse o “Notredame” poderia entrar no estádio. Mesmo assim, conta hoje com cerca de 300 participantes, a maioria de Canoas, e leva em média 70 pessoas às partidas. A maioria nem entra nos jogos. Apenas roubam, no caminho entre o Mercado Público – onde descem do trem - e a Azenha, e nos entornos do estádio. “Tem gente da Máfia que nunca entrou no Olímpico, que não sabe nem o nome do goleiro do Grêmio Só vai lá pra arrumar uma grana mesmo”, conta Moreno. Quem entra utiliza-se de outros meios. Algumas vezes, pedem para os cambistas venderem os ingressos ao preço da bilheteria. Resposta negativa significa roubo quase certo. Mas o foco principal não é esse. A maioria anda armado, principalmente com facas e soqueiras. Isso porque as brigas são o ideal que move a Máfia Tricolor. “A ideologia da Máfia é briga. A gente apóia o Grêmio, mas tem que ter porrada também”, diz, com um sorriso, um jovem de 17 anos, com o que os outros concordam.
A rivalidade com o Internacional beira uma situação de guerra. Amigos colorados, só se for de infância. Depois que entra para a torcida, nada de novas amizades entre rivais. Todo colorado é inimigo. “Não precisa nem ser de torcida. Se é colorado e olhou meio torto já tá apanhando”, garante Gadê, 18 anos. Ainda assim, há um grupo de torcedores com o qual a relação é pior: a Nação Independente Comando Vermelho (NICV). Moreno conta que a Máfia roubou a faixa da qual a torcida rival mais se orgulhava. A Nação teria oferecido mil reais por ela de volta. Eduardo Capitinga, vice-presidente da torcida colorada, criada em 1992, rebate: “A Máfia, os Marias, é uma imitação da NICV. Quando fundamos a nossa facção, um tempão depois surgiu a Máfia. Por que será que no nome deles tem Independente também?”. A psicóloga social Juliane Farina explica que a sociedade vê esses grupos de duas maneiras. “Alguns vêem como uma massa de perigosos, de pessoas violentas. Mas também há quem glamourize, principalmente como um reflexo da mídia, que trata tudo isso como um espetáculo. O cara se destaca por ser violento. É um modo de se sentir alguém”.
Continuamos sentados nos degraus conversando com o grupo. À nossa frente, no muro, garotas aparentando 16 ou 17 anos conversam com outros integrantes da torcida. Perguntamos se muitas mulheres fazem parte da Máfia. E as respostas, de certa forma, corroboram a explicação de Juliane. “Tem bastante guria. Pra essas aqui é Ibope dizer que pegou alguém da Máfia, é status”, responde Moreno. Uma das garotas completa: “Somos as PMG: Pegadoras de Máfias Gostosos”. Mauro Rosito, diretor do Grêmio, diz que ouve falar da Máfia, mas nunca viu ninguém identificado com a camiseta. A faixa de idade vai de 12 a 30 anos, e a escolaridade é muito baixa. “Quase ninguém aqui estuda ou trabalha. Quinta série já é lucro”, explica Latino, 18 anos. Gadê volta à fala, para contar que já levou uma facada e um tiro. E completa: “a gente não tem medo. Quando um dos nossos aparece quebrado, a gente vai atrás de quem quebrou”. Moreno já apanhou, segundo ele, de 40 integrantes da Geral, no Parque da Redenção, porque membros da Máfia haviam assaltado “geraldinos”. “Isso aqui é a minha vida, é o que eu amo fazer. Nunca vamos virar Torcida Organizada oficialmente. A gente não evolui, só piora mais”, diz.
Nação (nem tão) Independente
Nascia, em 1992, uma torcida que se propunha a ser a primeira Organizada independente no Estado. 15 anos depois, a Nação Independente Comando Vermelho ainda carrega no nome um adjetivo que já não faz parte da linha que segue. Com uma sala no Beira-Rio para guardar materiais e ingressos subsidiados pela diretoria, a NICV conta hoje com cerca de 300 componentes, metade dos 600 integrantes de sua fase áurea. Esse enxugamento tem relação direta com a vinculação ao clube, que desagradou a muitos.
Seguindo, atualmente, a regra geral das outras Organizadas do Inter, a Nação possui, no Beira-Rio, uma pequena sala para guardar seus materiais, ganha uma cota de 200 ingressos do clube e permissão de entrar nos jogos com faixas e instrumentos. Por outro lado, não há cobrança de mensalidade, diferenciando-se das outras duas, Super FICO e Camisa 12. Isto em parte por causa do baixo poder aquisitivo da maioria dos integrantes, mas também porque não possui um espaço próprio para oferecer aos associados. A médio prazo, um dos objetivos, aliás, é a busca por uma sede. Eduardo Capitinga, vice-presidente da Nação Independente, conta qual o maior sonho de dez entre dez membros da Torcida: “Nosso sonho realmente é nos tornar, novamente, independentes do clube, todo mundo sendo sócio do Inter e da nossa facção”.
O cadastro feito no clube também é igual ao de Camisa 12 e Super FICO. Com todos os dados do componente, deve ser enviado ao Batalhão de Operações Especiais (BOE), para ser aprovado pela equipe da Brigada Militar que trabalha nos estádios.
Todos estes procedimentos só existem porque, em 1995, a diretoria do Internacional obrigou a Nação Independente Comando Vermelho a tornar-se dependente. Mesmo assim, Capitinga garante que possuem o direito de cobrar. “Se tem que cobrar da diretoria melhorias para o time, cobramos! Mas sempre com a idéia de apoiar o time”. O advogado Eduardo Araújo, diretor de Torcidas Organizadas do Internacional, dá a entender uma posição um pouco diferente. “No momento em que tem subsídio e protesta, o clube tem o direito de tirar o subsídio”. Talvez por isso a Nação queira tornar-se, novamente, Independente.
Grêmio e Inter opostos até no tratamento dado às Organizadas
“Se usam camisetas identificadas com as torcidas ou não, se são subsidiadas ou não, se são subsidiadas por baixo dos panos ou não, o que não pode é lavar as mãos”. A opinião do Promotor de Justiça e Direitos Humanos do Ministério Público, Renoir Cunha, vai de encontro às ações distintas realizadas pela dupla Grenal no sentido de controlar seus torcedores.
Oficialmente, o Grêmio não possui Torcidas Organizadas desde o episódio da queima dos banheiros químicos. Porém, sabe-se que a Geral recebe ônibus para viajar e ingressos para jogos fora de casa. Além disso, há quem diga que o Grêmio dá dinheiro para comidas e bebidas nas viagens. Como uma forma de controle, o clube também cede dois ou três ingressos e vagas em excursões para os principais líderes da Torcida Jovem, da Garra Tricolor e da Super Raça.
Desde alguns anos atrás, as Organizadas do Grêmio já vinham em processo de declínio acentuado, graças, principalmente, à ascensão da Geral. Não interessavam mais ao clube, que vinha buscando várias formas de extingui-las. Segundo o diretor financeiro Mauro Rosito, algumas lideranças teriam pedido indenizações generosas demais para terminarem com as Torcidas. Ele garante ainda que, em várias situações anteriores, estes grupos quase foram fechados, mas questões políticas faziam baixar a poeira. “Então nos aproveitamos daquela situação alarmante de 11 jogos de suspensão, com todo mundo pressionando. Chamamos um soldador para fechar as portas das sedes”. Há ainda denúncias de que o Grêmio pagava salários para os presidentes das Organizadas. Rosito diz desconhecer o fato.
Diz-se, ainda, que a direção gremista tem favorecido a Geral por medo. “O Grêmio tem problemas com a Geral, e dá ônibus por medo”, garante Eduardo Araújo, diretor do Inter. Telo, relações públicas da Garra, explica que a relação com a direção é péssima. Com o fim da Copa Libertadores, ele promete intensificar os contatos com os dirigentes em busca do fim da suspensão. A Jovem também se mobiliza para tentar voltar, com a associação em massa – hoje são 50 sócios – e o cadastramento de todos os componentes – atualmente, cerca de 200 são cadastrados na Torcida. Rosito, porém, é taxativo: “Não existe a menor possibilidade de qualquer uma destas torcidas voltarem. O modelo que gostamos e que queremos para o Grêmio é o da Geral”.
No Beira-Rio, a relação com estes grupos é bem diferente. Ao menos na aparência. São 500 cadastrados da Camisa 12, 350 da Super FICO e 200 da Nação Independente. O Internacional ainda dispõe alguns ingressos para cada uma dessas torcidas, além da permissão para entrar no estádio com faixas e instrumentos e das sedes onde ficam guardados estes materiais. A Camisa 12 possui ainda uma sala própria no Ginásio Gigantinho.
Porém, por trás da aparente calmaria, ocorrem disputas internas que, não fosse a força política e a quantidade de membros que as três Torcidas Organizadas do Inter possuem, já teriam resultado em seu fim. Um dos principais problemas diz respeito ao crescimento da Guarda Popular, e ao aval dado pela direção do clube a essa torcida. Sem cadastramento e sem intenção de fazê-lo, a Popular desperta sentimentos opostos entre dirigentes e outros torcedores. O presidente da Camisa 12, Miguel Dagnino, estudante de Relações Públicas, está há 15 anos na Torcida. E denuncia: “O recadastramento, feito pela direção há uns 4 anos, acabou fundando a Guarda Popular. Muitos que eram cadastrados antes não se recadastraram porque tinham ficha na polícia, ou outros motivos. Aí foram torcer atrás do gol, que era mais barato, e formaram a Guarda”. O diretor de Torcidas Organizadas do Inter, Eduardo Araújo, vê a questão por outro prisma: “As brigas com a Popular sempre partiram da 12, por ciúmes”.
Além desta, existem outras questões mal resolvidas, especialmente a partir da gestão de Fernando Carvalho como presidente do Inter – de 2002 a 2006. “A gestão do Carvalho foi a melhor da história do Inter, mas a pior para as Torcidas Organizadas. Um dos principais fatores para a diminuição da Camisa 12 foi a traição do Carvalho. Antes da eleição, nos pedia apoio, prometia ajudar. Depois que foi eleito, a gente teve que invadir o gabinete dele pra fazer reunião”, reclama Miguel. Por fim, Eduardo Araújo expõe uma divergência com o presidente da Super FICO, Marcelo Kripka, há 28 anos no cargo: “O Marcelo vive da Super FICO. O ingresso serviria para fazer bandeira, viagens. Para sustentar a torcida, não o presidente, mas foi distorcido. É uma forma de desviar dinheiro do clube”.
A torcida e o presidente mais antigos do sul do país
A Super FICO (Força Independente Colorada) foi fundada no ano de 1977. Foi realmente independente até 1982. Há 29 anos na Torcida e 28 na presidência, Marcelo Kripka classifica a FICO como “uma família”. Diz que continua no cargo porque há consenso em torno do nome dele e que o cargo está à disposição. Foi a primeira Organizada a ter núcleos no interior, e comporta desde jovens até idosos e idosas – “tem mulheres de mais de 80 anos que vão religiosamente ao Beira-Rio com a gente”.
Sobrevivendo de mensalidades, contribuições e ajuda da diretoria, a Torcida tenta ser a mais “família” do clube. Mesmo assim, não escapa à regra de decadência vertiginosa nos últimos anos. Desde a fundação, são em média 2 mil cadastrados, mas a presença nos jogos hoje não passa de 150. Ainda na linha família, o presidente garante que a relação com a Brigada Militar e com a imprensa é boa. Diz que tanto uma como a outra têm consciência de que a FICO é diferenciada. “A imprensa poupa e coloca a gente em outro saco com relação às outras Torcidas”, garante ele. O convívio com estas outras também é tranqüilo. Nas partidas, ficam na arquibancada superior, logo acima da Popular, e acompanham os cânticos desta. Sobre a Camisa 12, Marcelo lembra que Miguel foi o único integrante de Organizada a viajar ao Japão quando da disputa do título mundial, e levou para o outro lado do mundo uma faixa da Super FICO. Ainda assim, existem discordâncias. A influência da 12 claramente incomoda, e sua política de alianças não tem apoio irrestrito, pelo menos do presidente de Torcida Organizada mais antigo do sul do Brasil.
Máfia Azul, do Cruzeiro; Independente, do São Paulo; Jovem Fla, do Flamengo; e Jovem do Sport são sempre dignas de ótima recepção em Porto Alegre. São elas as integrantes da União do Punho Cruzado, nome da coalizão da qual faz parte a Camisa 12. Churrascos, indicações de locais para passear, troca de camisetas, calças e jaquetas com os símbolos das torcidas e até hospedagem. É assim que se estabelecem as alianças entre as Organizadas. Para saber quem vira aliado de quem, é só ficar de olho nas rivalidades locais. Quem é amigo do Inter, não é amigo do Grêmio, e assim por diante. É essa política que incomoda Marcelo, mas que demonstra a força e a influência da Camisa 12, respeitada onde vai. Afinal, 37 anos de existência não é para qualquer um. Durante esse tempo, quase 30 mil pessoas foram sócias da 12. Atualmente são 500 com cadastro no clube, com impressão digital, foto, comprovante de residência e de bons antecedentes. E esses são apenas os cadastrados, com este número limitado pelo Inter. Segundo Renato de Souza, o Valderrama, secretário da Torcida, em jogos mais importantes pode chegar a 1,5 mil o número de componentes da 12 no Beira-Rio.
O punho cruzado da aliança significa “União e Atitude”, conceitos que refletem nas ações, para o bem e para o mal. Miguel não tem papas na língua para criticar dirigentes. Graças a um acordo firmado com o Ministério Público, a direção não disponibiliza mais ônibus para os torcedores das Organizadas. “Não nos deixam mais viajar com o clube. Queremos viajar para mostrar as nossas faixas pras outras torcidas, mostrar que o Inter é forte, mostrar para os jogadores que a gente tá lá vendo o que eles estão fazendo. Não queremos viajar para fazer turismo, e a direção não entende isso”, diz Miguel. E não poupa as outras Torcidas do próprio time: “A Super FICO tem o mesmo presidente há 30 anos. É ele e uns dez caras que ficam em volta. A nossa sede está aberta todos os dias, a deles não. São ideologias diferentes”. Ao mesmo tempo, a personalidade forte da Camisa 12 e de seu líder causam também algumas confusões: “A gente já se pegou com a Guarda (Popular) três vezes. E demos um pau neles nas três vezes. A diferença é que nós somos organizados, somos uma família. Cada um sabe quem bate onde e quem segura”.
Sobre o auxílio constante dado pelo clube, Miguel garante que isso não implica em impedimento aos protestos, mas admite que não há cobranças mais fortes há algum tempo: “A última vez que vaiamos o time foi na época do Miranda (Fernando Miranda, presidente do Inter em 2001), aí tiraram nossos recursos. Mas a gente não é vendido”, afirma.
Por fim, uma frase de Valderrama demonstra a forma como a Camisa 12 é encarada por seus membros: “A Camisa 12 é a nossa vida, a nossa família, nossa segunda casa”.
Suspensos, não mortos
Oficialmente, não existem mais Torcidas Organizadas do Grêmio. A Super Raça Tricolor, que chegou a ser a mais importante do clube por alguns anos, realmente é hoje praticamente inexistente como torcida. Porém, Torcida Jovem e Garra Tricolor, apesar de sinais de desgaste, mantêm-se na ativa. A Jovem, inclusive, tenta voltar, aos poucos, mesmo que sem o apoio do clube. “Do Grêmio a gente não espera mais nada. Estamos entrando em uma parceria com a Brigada Militar, para aos poucos entrar com material, desde que tenha bom comportamento”, diz o presidente da Torcida, o promotor de eventos André, mais conhecido como “Folha”. A estrutura administrativa está bem formada, e acompanha o padrão das grandes, como a Camisa 12. Presidente, vice, e um diretor para cada setor – diretor social, diretor de faixas, etc.
Criada em 1977, o auge da Jovem foi entre 94 e 95, acompanhando a tendência de crescimento, naquela época, de todas as Torcidas Organizadas. Durante aqueles anos, chegou a 1,5 mil membros. Como maior Organizada do Grêmio atualmente, também ajuda a ditar as alianças com Torcidas de outros Estados. Mancha Verde, do Palmeiras; Galoucura, do Atlético Mineiro; e Força Jovem do Vasco são as principais. É também nas viagens que confirma sua influência: “Mesmo a gente tendo dez vezes menos membros que a Geral, quando o Grêmio joga fora é a gente que as torcidas aliadas tratam melhor. A gente já tem uma história. Somos respeitados”.
Folha explica que está nascendo uma nova cultura dentro de algumas Organizadas, inclusive a Jovem. A idéia de uma sede maior, fora do estádio, é um dos objetivos. Já possuem um espaço, no Centro da Capital. “Esse pessoal da geração nova da Jovem sempre teve essa idéia diferente, esse sonho de ter uma sede própria fora do Olímpico, como as sedes que as torcidas de São Paulo têm. Lá, eles têm academia dentro da sede, têm piscina...”.
Sobre uma possível volta das Torcidas do Grêmio, Folha é taxativo: “Não deviam liberar todas, deviam voltar o olhar para as que realmente estão fazendo por merecer, se interessando em se organizar”.
A Garra Tricolor é mais nova – nasceu em 1982 – e menor. Cada vez menor. Seu quadro tem minguado de forma acentuada depois do Grenal dos banheiros queimados. Muitos integrantes passaram para a Máfia. Até o mal-fadado clássico, eram em média 400 membros em cada jogo. Hoje, não passa de 150. Até por ser menor, não procura competir com a Geral. Na verdade, muitos componentes costumam assistir aos jogos do local onde costumam ficar os “geraldinos”. Entre estes, está Telo, RP da Torcida. Ele acredita que, este ano, a Garra cresceria muito, por causa da Libertadores, mas o banimento impediu. Dependendo da partida, o clube dava de 200 a 400 ingressos, dos quais a venda cobria os gastos com bandeiras, faixas, etc.
Sobre a imprensa, não mede as palavras: “A relação com a imprensa é uma m****. Se tu é de uma Torcida Organizada, é um marginal”.
Expulso da Super Raça porque brigava demais, Telo está há 8 anos na Garra, mas garante que hoje está mais tranqüilo: “Diretor não pode brigar nem apanhar. Geralmente quem briga mais é menor, é gurizinho com cara de mau, metido a malandro”.
Os braços da lei
Ministério Público e Brigada Militar são as duas instituições responsáveis por conter os ímpetos mais agressivos de qualquer torcedor, em particular dos membros de Torcidas Organizadas – que costumam das mais trabalho.
Três horas antes de cada partida, policiais do Batalhão de Operações Especiais (BOE) fazem uma revista completa no estádio. Depois, ninguém mais entra sem ser revistado. O trabalho é árduo, mas necessário. Mesmo que nem sempre agrade a todos. Críticas à violência da Brigada são recorrentes. “A polícia já vai para o estádio com maldade”, diz Telo. Mauro Rosito também reclama: “Há uma falta de competência de alguns setores. Por exemplo, o caso do Beira-Rio. Os caras foram até lá em cima, pegaram os banheiros, derrubaram, levaram para baixo, quebraram, jogaram no fosso, botaram fogo e não chegava nenhuma autoridade”.
As revistas, como qualquer um que já foi a um estádio sabe, são superficiais, o que ocasiona muitas falhas de segurança, com a entrada de materiais muitas vezes proibidos, como sinalizadores e até bombas caseiras. O sub-comandante do BOE, Major Maciel, questiona esse tipo de crítica: “Dizem que essas coisas entram nos tênis, por exemplo. Um sinalizador não cabe em um tênis de jeito nenhum. É impossível. Quando entra sem autorização, é porque há conivência de alguém da administração”.
Nos poucos meses em que ocupa esta posição, o sub-comandante já vê grandes melhorias. “Desde que assumimos, passamos a chamar as lideranças para conversar. No início existiu uma resistência maior, como sempre existe, mas hoje a relação é de entendimento”.
Os casos tratados pelo BOE são então encaminhados para o Ministério Público. O Promotor de Justiça e Direitos Humanos do MP, Renoir Cunha, também percebe evolução, e acredita que a grande responsabilidade é mesmo dos clubes: “Assumindo ou não a existência das Torcidas Organizadas, o clube tem que ser responsabilizado de qualquer forma, porque um jogo de futebol é um evento privado. Tudo é uma questão cultural, e a cultura dos clubes melhorou muito. Eles estão entendendo melhor essa responsabilidade que têm”. Mauro Rosito concorda: “Trabalhamos ombro a ombro com o Ministério Público, buscando soluções que tornem o futebol cada vez mais saudável”.
Um Termo de Ajustamento, assinado entre MP, Grêmio e Internacional, também tem ajudado na solução de problemas mais localizados, como divisões entre torcidas e lugares individualizados nos estádios, em cumprimento ao Estatuto do Torcedor. Em caso de não cumprimento do Termo, multa diária. Mas há flexibilidade. “Se vemos que há boa vontade, mesmo que às vezes haja dificuldades, financeiras principalmente, trabalhamos com bom senso”, diz Renoir.
Futuro cada vez mais incerto
Ainda é impossível saber qual dos dois modelos adotados por Grêmio e Inter é o mais efetivo no sentido de controlar as Torcidas Organizadas. Fato é que, queiram ou não, elas existem, com suas ideologias, perfis e ações particulares. Entender estas diferenças pode ser um caminho.
Grande reportagem!
ResponderExcluirFindando 2010, algumas coisas mudaram, poucas. No Grêmio, essas torcidas já frenquentam o estádio há algum tempo. Teve ano passado (ou retrasado) o racha na Geral.
Na questão da violência, acho que diminuiu dentro do estádio. Depois do lamentável episódio dos banheiros, a coisa deu uma acalmada, se dá pra dizer assim...
Agora, é triste ver gente usando do futebol para agir como um selvagem acéfalo. Esses caras dão porrada no adversário do jogo de taco, na praça. Pra muitos, é só ver pelas declarações, o futebol está em segundo plano.
Porém, não acho que as torcidas organizadas tenham que ser banidas. Tem que haver é um aparato de segurança nos estádios, que dê conta de identificar não só esses torcedores, mas todos os outros. É preciso criar mecanismos de identificação, inclusive nas imediações dos estádios, e quem for flagrado cometendo esses crimes, em horário de jogos tem que comparecer na delegacia. É simples (e não é...)
É que na real, quando se interessam e se dedicam apenas a torcer, as torcidas organizadas dão show, um espetáculo bonito e importante para o jogo em si e para o time.
ResponderExcluirAcho que precisam ser melhoradas e severamente vigiadas. A extinção não seria o mais legal...